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1988 Super Fantástico

Tenho lembranças que até hoje me fazem rir. Quem viveu a década de oitenta certamente reconhecerá a maior parte dessas referências. Quem não, pode ler como uma curiosidade de tempos imemoriais.


Foi em um dia de maio de mil novecentos e oitenta e oito que, ao me preparar para levar as crianças a uma festinha infantil, olhei no espelho e nem me reconheci. Como pude chegar a esse ponto? Onde está aquela menina descolada que trançava pela cidade numa Mobilete azul turquesa, usava túnicas indianas com tamanco de madeira, tinha abandonado o sutiã e repartia o cabelo liso no meio, com trancinhas que iam até o meio das costas?


Encarei aquela figura com a juba crespa despenteada, entalada em um casaco pink acinturado e com ombreiras, que mais parecia a roupa do palhaço Bozo. Me equilibrando nos saltos finos altíssimos, pensei: Minha nossa, que figura mais ridícula!


Mas acabei dando uma risada e fui em frente pois, afinal, estava tentando não parecer totalmente por fora do grupo de mães que estaria na festa. Desci rapidamente as escadas e coloquei as crianças no carro. A mais velha, sentada no banco do passageiro ao meu lado; a menor encarapitada atrás, no espaço entre os bancos para poder participar mais da conversa. Ninguém usando cinto de segurança…


Abri as janelas para poder fumar meu Minister com filtro enquanto dirigia, e lá fomos nós. A festinha na casa de uma amiga estava toda decorada com os Ursinhos Carinhosos, paixão das meninas. A criançada de leggings e blusinhas floridas abusava do rosa e brilhos nas roupas, bolsinhas e tiaras. Tia Caramelo, toda vestida de fada, animava a festa com a brincadeira do coelhinho na toca e teatrinho de fantoches. O aparelho de som tocava Super Fantástico Amigo, grande sucesso do grupo Balão Mágico, para o delírio da turma.


Embaladas pelo espírito Xuxa, na sala as mães conversavam alegremente sobre moda. Descobri que o “must” do momento eram as calças de cós alto e quase me engasguei com a coxinha de frango. Já não bastava aquele casaco de ombreiras, agora tinha que usar calças “saintropeito”? Não podia haver coisa mais incômoda do que isso. Ao ficar em pé, por mais magra que você fosse, ela deixava saliente a barriga; sentada, ela empurrava os peitos para debaixo do queixo. Por que raios as mulheres inventaram uma coisa assim? Ou será que foram os homens, por vingança, pois vi muitas fotos antigas do papai com a calça de cós alto e ainda por cima com suspensórios…


E não parou por aí. Todas foram unânimes em afirmar que essas calças “modernas” combinavam bastante com as sapatilhas Melissa. Sapatilhas de plástico? O pé gruda no forro, sua dá um chulé horrível!


Fui salva pelo momento do Parabéns a você, seguido do invariável “Com quem será, com quem será…”, que tinha tudo a ver com a doutrina da Rainha dos Baixinhos. Entre um brigadeiro e uma gelatina colorida, a conversa foi para um campo perigoso para mim. Passaram a falar dos cabelos e das permanentes que fizeram; eu sorria, pois tinha me preparado para a ocasião, já sabendo que esse era um tema recorrente entre as mulheres . Só que, de repente, uma delas virou-se com essa para mim: “Tá meio murchinho o seu cabelo, né?”


Minha juba arrepiou com essa ofensa! Como assim? E o trabalhão que tive para encrespar o cabelo justamente para a ocasião? Engoli em seco, sorri amarelo e fui me despedindo.


No retorno à casa, as duas, já exaustas, deitaram no banco de trás e vieram dormindo. Depois de coloca-las na cama, tirei a aquela fantasia toda, entrei no chuveiro e desmanchei os cachos ridículos que tentei fazer. Coloquei meu querido vestido solto, uma sandália de dedo, dei uma tragada longa no meu cigarro e logo me veio à cabeça uma das minhas músicas preferidas da década de 70, Ouro de Tolo do Raul Seixas, que me fez recuperar o bom humor. Fiz uma adaptação da música e ri até cansar:

Ah! Mas que sujeita chata sou eu

Que não acha nada engraçado

Festinha, permanente, cós alto, sapatilha,

Eu acho tudo isso um saco!

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2 comentários

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luciliarchaves
30 de jul. de 2022

Com essa dei muita risada!!! As ombreiras eram de doer!!! Cós alto um terror!!!!

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Membro desconhecido
31 de jul. de 2022
Respondendo a

E não era? Um horror! Além de feio incômodo!

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