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Borboleteando pela banca

Viseira colocada, ajusto o relógio para o início da caminhada. A entrada do parque é a 500m, privilégio que conquistei ao me mudar para o bairro. Por entre as árvores da calçada observo o burburinho das crianças do colégio logo à frente. Algumas atravessam a rua em direção à banca de jornais, que é na minha calçada, e onde fica a entrada secundária do parque, pela qual eu entro.

Como de costume, dou uma paradinha na banca para olhar o que chegou de novo. Ela tem uma localização estratégica — lugar de passagem de um perfil de potenciais clientes muito especiais, você hão de concordar comigo.


Em primeiro lugar, são homens e mulheres de todas as idades que praticam alguma atividade física — caminhada, corrida ou bike; se estão com tempo para isso, é porque dão valor à vida saudável, certo? E aí... Mens sana in corpore sano, devem ser leitores qualificados.


Em segundo lugar, enquanto público, vem a grande quantidade de escolares, crianças, adolescentes, seguidos de seus pais que estacionam perto da banca, nos horários de entrada e saída da escola. Nada melhor do que uma leitura leve para complementar os livros didáticos e a literatura obrigatória indicada pelos professores; a disponibilidade de uma banca a dois passos é providencial e, portanto, uma grande oportunidade de oferecer um repertório específico para essa clientela.

Uma banca privilegiada, sem dúvida!


A estrutura é grande, recém pintada de um discreto cinza. Apresenta uma cobertura azul e está uns dois degraus acima do piso da pracinha onde foi colocada. É sombreada por uma árvore frondosa que a insere no clima do parque à sua direita, formando um ambiente muito acolhedor.


O balcão é recheado de guloseimas, como, aliás, é de praxe nas bancas de jornal atuais. Ao lado, uma estante com os periódicos. Na frente, o balcão com os últimos lançamentos das revistas, organizadas por temática: na parte de cima, no plano horizontal, estão as revistas mais voltadas aos negócios como Forbes, The Economist, Você RH, Dinheiro, Exame, Isto é, Cult, Veja, Mil franquias e outras mais. Abaixo, na vertical, as que chamo de entretenimento como Náutica, Caras, Viagem, National Geographic, Piauí, Wish, etc. Entre os dois planos, álbuns Panini de figurinhas, alguns jogos de cartela como Banco imobiliário, A Volta ao Mundo em 80 dias, Cada macaco no seu galho, e só.


Uma primeira constatação minha é que o repertório privilegia os adultos – cadê os cadernos de atividade, os gibis, os Mangás, as Princesas, Unicórnios e todo um repertório mais adolescente? Estranho... se não estão na linha de frente, talvez se encontrem mais para dentro, pois a banca permite a circulação interna. Nada disso — ao fundo encontro uma pequena parte dedicada a livros de bolso colecionáveis e mais alguns títulos de menor periodicidade — nada focado em crianças e adolescentes.


Na lateral direita, atrás do balcão, cartelas de acessórios para celular. Na outra ponta, geladeiras de bebidas frias e laticínios, seguidas dos freezers da Kibon e do Los Sorvetes. Uma banca mista com loja de conveniência... interessante. Concluo, então, que a estratégia da banca seja atrair os clientes pela boca, para que, durante a degustação, escolham as revistas que vão comprar.


Ali, parada, meu pensamento divaga para um mundo fantástico. Nele vejo as capas de revistas desfilando numa passarela, tentando vender sua figura à comissão que escolherá a rainha da semana. São dezenas de títulos ali enfileirados, disputando a atenção dos jurados que visitam a banca. Passam a semana, às vezes o mês todo expostas, sorrindo, exibindo chamadas cuidadosamente estudadas para causar impacto e atratividade.


As que conseguem ter boa saída, como retribuição, na edição seguinte, são colocadas em lugar de maior destaque. As outras, tem seus exemplares sobrantes devolvidos ou vão para a repescagem, sem dó nem piedade.

Travam uma competição até que justa com suas concorrentes diretas, mas sabe o que é triste? Não são páreo para os sorvetes e balas e chocolates, que reinam gloriosos na preferência das crianças e adolescentes, sedentos por uma doçura depois de um dia de esforço mental. Talvez por isso a banca tenha desistido de oferecer um repertório mais amplo para esse público.


Também acabam sendo uma segunda opção para os atletas, que buscam em primeiro lugar as geladeiras de água, suco ou isotônicos para repor a energia e se hidratar depois do exercício.

Me entristeço ao pensar o quanto de pestanas foram queimadas para produzir o conteúdo daqueles títulos e periódicos; noites gastas dentro de uma redação, fora o tempo de diagramação, revisão e ilustração. E aquelas capas, ali, à espera de uma oportunidade para sair da banca debaixo do braço de um cliente, mesmo que, na outra mão, ele esteja com um picolé.


Que dura é a vida de uma revista, não?

Acordo do meu delírio, pois o rapaz da banca já está até estranhando minha permanência por tanto tempo ali. Compro a edição do mês da Piauí e fujo dos “olhares” suplicantes da turma que não foi escolhida.

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1 comentario

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Invitado
31 jul 2023

Uma observação precisa que acaba sendo um retrato sociologico agudo. Bravo e que seus olhos continuem descobrindo e seu talento transmitindo para deleite de seus leitores. GP .

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