Plantei lírios nas floreiras, coloquei incensos pelo ambiente, afastei as cortinas para deixar o sol entrar e me sentei no chão, quieta. A mente vagou por entre os voleios da fumaça perfumada que me envolvia, inebriada pelos sinais de recomeço de vida que essa atmosfera me sussurrava.
Vermelho, amarelo, branco, tons das flores que escolhi na minha paleta dos sentidos – sempre acreditei no efeito cromático dos ambientes sobre a harmonia dos sentidos e a florescência criativa.
Busquei minha posição preferida para escrever, e comecei a dedilhar. As letras foram se formando desenfreadas, insubordinadas mesmo, como se psicografadas por uma cronista que em mim se abrigara.
E, assim, fui roteirizando minha história de vida, revelada nos fragmentos da escrita que me acompanharam, desordenados no tempo e espaço vividos. Vieram à tona textos que me transportaram para a inventividade e ingenuidade da menina que fui, crônicas que brincavam com minhas emoções e percalços da maternidade, contos que ficcionavam as inquietações, frustrações e desilusões que me acompanharam na adolescência.
Quando me dei conta, estava montando um roteiro sem linha do tempo. Passado e presente se intercambiando, sem delimitação, no copião do meu filme.
Ali, no meu novo recanto, pude entender que, com a escrita, a dimensão temporal do envelhecimento se transmudou para uma nova cronologia, onde a medida são os passos de amadurecimento que dou na minha produção. Percebi que a régua, hoje, é feita de centímetros de aperfeiçoamento da escrita, milímetros de melhoria nas costuras entre os temas e as formas literárias, e da metragem que acumulo de aprendizados a cada texto.
E essa régua é infinita.
É infinita mesmo.
Que definição brilhante unindo o processo de amadurecimento e a arte de escrever. Viva Ana Helena Reis! Como velho e torpe escriba fico admirado e bato palmas para essa escritora que trata cada palavra com a suavidade de pétala de rosa.