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O quarteto

Os quatro se sentaram no bar para um “happy hour”, que era de praxe às sextas-feiras.

Como sempre, 03 se adiantou e tomou a palavra:

— Pessoal, o negócio é o seguinte: vamos aproveitar a vida e não ficar fazendo muita conta. Daqui a pouco tempo a coisa vai pegar – cinquentões, com dor na perna, cabelo branco, aquela vidinha de executivo, e ainda, para finalizar, os compromissos sociais chatíssimos à noite. Eu sugiro chutar o pau da barraca e tirar pelo menos um ano sabático, rodando o mundo de mochila, como sonhávamos na adolescência.


Na mesma hora, 02 deu um salto:

— Como assim, rodando o mundo... pirou? Acredito que precisamos analisar essa questão do envelhecimento com a razão, não assim. Isso é deixar correr solto um projeto irresponsável. Qual o plano para esse ano sabático? Viver do quê? O que fazer da família? Temos um compromisso aí, não é assim, cair fora um ano e tudo bem.


Então, 04 tomou a palavra:

— Calma, pessoal. Não há razão para esquentar a conversa. O importante é pensar em sintonia, analisar todos os ângulos da questão, para quando os cinquenta baterem à porta sabermos que rumo tomar. Do meu ponto de vista, a possibilidade de abraçar essa aventura é tentadora. Mas temos que pensar também no lado prático – como operacionalizar isso? Quais as barreiras a enfrentar? A vida nômade implica em uma série de mudanças de comportamento a ponderar. Dá para abdicar do trabalho atual e, consequentemente, dos rendimentos, por um ano? Tudo bem perder a mordomia de casa? Almocinho na mesa, roupa lavada e passada no armário, caminha arrumada e cheirosa... E a esposa, vai esperar? Vai curtir essa decisão sem espernear? Ou já não estamos nem aí pra ela?


Até o momento, 01, que não tinha se manifestado, tomou a palavra e sugeriu:

— Vamos tentar trabalhar um pouco com o que desejamos viver nesse futuro, mas de um ponto de vista mais profundo. O que vale a vida para vocês? Para mim, a relação com as pessoas é o que faz a roda girar. Os vínculos de afeto que construímos, o calor de um abraço sem palavras. Um olhar doce de cumplicidade, a palavra de carinho quando tudo parece estar desabando. É acordar e ainda ver, naquela pessoa que está do seu lado na cama, a menina por quem você se apaixonou. Pra mim, o emocional é que pega.


Foi 02 quem respondeu primeiro:

— Gente, para mim, a coisa de ir levando pesa. Sempre fui um cara controlado nos gastos, tudo planejadinho e na planilha de Excel. Não corro riscos, sou daquele tipo que o banco sugere investir na poupança, sabe? Sinceramente esse controle acho que me guia, me dá segurança.


Chegou então a vez de 03 se manifestar:

— Bem, eu sinto uma falta enorme de sair da caixinha, sabe como é? De viver outras experiências. Essa roupa que visto hoje não me cabe mais. Estou indo pros cinquenta, já fui todo certinho até agora e fui feliz assim, mas tem muita coisa que ainda não vivi e quero viver. Essa inquietude é o que me move.


Pensativo, 04 olhou para a mesa, tomou lentamente mais um gole de uísque e chamou o garçom, que se aproximou solícito:

— Desculpe, seu Reginaldo, quer fechar a conta ou o senhor ainda está esperando alguém?

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