Como se não bastasse os 40 dias de dilúvio, não deu outra - Pandê na Arca, ocasionada por um morcego infectado que, revoltado, se infiltrou na hora do embarque sem permissão. Isso porque Noé, preocupado com o número de animais puros e impuros que deveria abrigar, se descuidou um minuto enquanto arrumava a fila de entrada dos casais escolhidos. Enquanto isso, aquele casalzinho safado de corujas não conseguiu resistir à tentação e traçou esse acepipe.
Contaminação a vista, o pânico foi instalado...!! A primeira ordem de Noé foi que cada casal ficasse em isolamento do resto da bicharada, recolhido em seus espaços.
E assim começa o Pandê ...em primeiro lugar, os espaços eram superdimensionados para alguns, como o casal de coelhos- desde que não transassem durante o confinamento - mas impossível para espécies como elefantes, rinocerontes ou dinossauros. A fila na porta do alojamento de Noé foi crescendo, as queixas se avolumando. Mas, aos poucos, a questão do espaço foi sendo ajeitada por seus assessores para assuntos diplomáticos, o casal de corvos, e os ânimos acalmados.
Mal sabia Noé o que vinha pela frente... pelo menos mais 150 dias de confinamento. Mesmo com o remanejamento as dimensões da Arca, cada casal teria que conviver 24h em isolamento social, para o bem ou para o mal.
E lógico que, sem poder sair, tendo que trombar um com o outro cada vez que se mexiam, partilhar a mesma ração, decidir se era para andar para frente ou para trás, ter que entrar em acordo sobre quem limpa os dejetos e quem tem prioridade para colocar o nariz para poder respirar ar puro ... só podia dar errado – será que Noé não pensou nisso antes de reunir casais? Regra básica, machos são de Marte, fêmeas são de Venus, já dizia John Gray. E quando se trata da conjunção de Venus com Marte o resultado é explosivo!
A confusão começa com o casal de leões, que começou a sentir que não estavam sendo devidamente prestigiados assim sem plateia, e o pior, que mesmo arrumando primorosamente a juba não havia ninguém para admirar... começaram a lançar faíscas irônicas frente ao espelho, relembrando momentos em que um foi mais notado do que o outro, só para deixar claro quem mandava nessa selva. Espaço pequeno para o tamanho do ego de cada um, coisa rara entre casais, concordam?
Já o casal de elefantes passou a descontar um no outro suas frustrações pelo tamanho, na hora de dividir a ração – ela, sempre mais bonachona, enfiava o pé na jaca comendo sem parar, alegando ansiedade por se ver privada de qualquer exercício físico; ele, macho alfa, ameaçava sair em busca de outra parceira assim que pisassem em terra firme. O caso acabou em safanão de trombas e os guinchos escutados nos outros compartimentos. Mas a Elefoa se recusava a prestar queixa, e continuou ali, tentando agradar seu macho, enquanto juntava forças para botar a tromba no trombone. E o pior é que, aos olhos dos outros animais, ele passava a ideia de um elefante tão amoroso, tão apaixonado. Mesmo seus amigos mais íntimos não desconfiavam do que se passava entre quatro parques, mas o confinamento escancarou tanta coisa!
Crise também entre as raposas, que ardilosamente tentavam passar o pé uma na outra. E, nesse território, a fêmea dava de dez a zero. Na hora de se alimentar, numa tentativa de passar uma imagem conciliadora, ela impostava uma voz doce: “meu bem, acho que é a minha vez de me servir primeiro, não?” e o consorte, ludibriado, aceitava resignado – “sim meu benzinho, como quiser...” tentando espantar uma vozinha na orelha sussurrando: “você é trouxa mesmo não? tem que se impor!”
Já as gralhas discutiam a alto e bom som sem a menor cerimônia, lavando toda a roupa suja de anos de convivência e constrangendo a vizinhança. Momento depois era fácil ouvir juras de amor eterno, como se nada houvesse.... que bonitinho! Sorte de quem não tomou partido!
E o casal de bodes então? Viviam às turras e as chifradas aconteciam por tudo – porque o bode não abriu a porta para a cabra passar, porque a cabra não serviu a ração na hora certa, e o pau comia se o feno não estivesse bem ajeitado na hora de se deitar.
Moral da história – com ou sem Pandê vivemos em nossa própria Arca. A escolha do casal que nos representa depende de nossa autocrítica!
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