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Quando o instinto maternal entra em looping

Tem situações em que o medo se sobrepõe a qualquer outra emoção ou sentimento, até mesmo o instinto maternal.


Foi o caso de Martina. O medo a acompanhou desde a infância, mas enquanto ele estava restrito aos seus desafios pessoais, era fácil contornar – bastava não se expor às ocasiões em que o gatilho poderia ser acionado. Só não esperava ter que enfrentar sua fobia já adulta e com filhos, mesmo sabendo que fazia parte de sua função, como mãe, proteger a prole em todos os momentos.


Foi assim que, numa tarde ensolarada de sábado, seu instinto maternal foi posto à prova. Tudo parecia seguir a rotina costumeira de passeios com as crianças até que Roberto, seu marido, que conhecia até as profundezas de suas covardias, se saiu com esse convite:

— E aí crianças, que tal fazer um programa diferente hoje, e irmos ao Hopi-Hari?


Euforia geral. Aos gritos, os três correram para se aprontar. Martina esboçou um sorrisinho nervoso , enquanto tentava entender a proposta do marido. Será que ele não se lembrou? Sim, deve ter se esquecido, não faria isso comigo, nunca!


Ali mesmo, da sala, ouvia a conversinha animada deles no quarto, e já começava a sentir aquele frio na barriga costumeiro. O mais velho, de sete anos, dava orientações para os gêmeos, perto dos quatro anos:

— Pequenos, atenção! Não larguem da mão da mamãe e do papai, ok? Eu, que já sou grande, posso ir sozinho nos brinquedos, mas vocês...


O parque estava bastante concorrido. Olhando o mapa, escolheram iniciar pelo Speedi-64, que dava a volta toda na capital Hopi Hari. Depois o Giralata, e aí, com mais emoção, o Rio Bravo.

Hugo, por já ter idade suficiente, foi sozinho no Spash e outros brinquedos mais radicais, enquanto Roberto e Martina descansavam um pouco e alimentavam os filhos menores.


Tudo sob controle, sem sobressaltos. Terminado o circuito dos brinquedos em terra firme, o que Martina temia aconteceu: se depararam com a roda gigante. Gritos de alegria de todos, inclusive dos pequenos que, aos pulos, já se colocaram na fila. Não havia escapatória – cada um dos gêmeos tinha que entrar com um adulto, portanto ela não poderia ficar embaixo.


Tentando manter o controle, ela se posicionou na gôndola com um dos filhos, enquanto Roberto se sentava com o outro. Hugo, a todo momento se projetava para fora, quase em suspenso, e ia relatando o que via, na maior animação.


Com um tranquinho, a roda começou a se movimentar para dar entrada a mais participantes. A cada balançada, o coração de Martina disparava, e ela pensava: Calma, respire fundo, a roda ainda nem começou a girar. Essas ordens de comando, porém, em nada adiantavam. Seu carrinho estava lá, nas alturas, e ela já antevia a tortura a que seria submetida em poucos minutos. Seus lábios começaram a tremer. Decidiu fechar os olhos e mascar uma boa quantidade de chicletes para ver se a movimentação da boca traria um pouco de calma, e o volume da goma de mascar serviria de amortecedor, para não trincar os dentes na hora do pavor total, que era iminente.


Sentiu que o cadafalso estava cada vez mais próximo. A roda começou a girar, primeiro devagarinho, depois pegando mais e mais velocidade, fazendo com que o carrinho entrasse em balanço, desgovernado. Para grande ódio de Martina, seus acompanhantes gargalhavam e davam vivas a cada passagem da gôndola pelas roldanas, momento em que tinha certeza de que ela iria se soltar e sair rodopiando lá nas alturas.


Martina começou a sentir na boca aquele fel característico de quem vai vomitar, misturado a uma tontura que a visão das pessoas em tamanho diminuto lá no chão só fazia crescer. Totalmente insensível à sua tortura, Hugo decidiu aumentar a emoção do momento e começou a pular, para que o carrinho balançasse ainda mais, como um pêndulo.


Nesse momento, a cabeça em looping, Martina abriu os olhos o suficiente para encarar o filho e sussurrou entre dentes, numa demonstração clara dos limites impostos a seu instinto maternal:


— Se você balançar esse carrinho mais uma vez, eu te mato!.

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