O filme As Nadadoras, lançado em novembro de 2022, me fez refletir sobre questões sensíveis:
- A invisibilidade com que a sociedade em geral trata os refugiados, especialmente aqueles vindos da Ásia e África.
- A capacidade de superação daqueles que, de forma obstinada, perseguem seus sonhos.
- A importância de relações de cumplicidade como sustentáculo psicológico do ser humano.
Para poder discutir essas questões à luz dos fatos relatados no filme, uma breve sinopse se faz necessária.
O longa, dirigido pela cineasta egípsia-galesa Sally El Hasaini, conta a história da jovem nadadora síria Yusra Mardini e sua irmã Sara. É estrelado por duas atrizes franco-libanesas que também são irmãs na vida real: Nathalie e Manal Issa.
Baseado em uma história real das irmãs nadadoras, o drama se desenvolve em dois momentos:
O primeiro, em que é contada a história da infância de Yusra e Sarah em Damasco, e seu sonho da participar das Olimpíadas representado a Síria. Em 2015, a guerra civil invadiu suas vidas a tal ponto, que se mudar para a Europa foi a única opção viável. A maior parte desse segmento do filme é dedicado à jornada quase milagrosa da dupla para fugir de uma Síria devastada pela guerra.
Para chegar a ilha de Lesbos, na Grécia, e seguir em direção ao destino final que seria a Alemanha, as irmãs passaram pela Macedônia, Sérvia, Hungria e Áustria, e enfrentaram os horrores dos refugiados e exilados. A jornada tem como ponto alto a travessia a nado pelo mar Egeu, empreendida por Yusra por três horas e meia ao lado da irmã, Sarah, para sobreviver e ajudar a salvar mais 18 pessoas. Esse episódio, que parece até ser uma ficção de tão dramático, se configura, na minha opinião, no alicerce principal da narrativa realista da fuga das meninas.
O segundo momento é dedicado à luta de Yusra, já no acampamento de refugiados em Berlin, para conseguir voltar a nadar. Isso só foi possível com a ousadia dela em procurar o técnico do clube de natação local Wasserfreunde Spandau 04, Sven Spannekrebs, que acreditou em seu potencial e se dispôs a treiná-la. Com sua ajuda, Yusra foi selecionada para representar a equipe de refugiados nas Olimpíadas de 2016 no Brasil e venceu uma bateria de 100 metros contra quatro outros nadadores. Continuou sua carreira como nadadora, além de ser Embaixadora da boa vontade da ACNUR Yusra. Sarah desistiu de nadar para prestar ajuda humanitária aos que chegam ilegalmente à Lesbos, na Grécia, mas nunca deixou de apoiar a irmã. O filme termina com o reencontro das duas. Sara vai ao Brasil para apoiar Yusra durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Retomando então os pontos colocados no início, o filme escancara a indiferença total no trato dos refugiados. Em nenhum momento a identidade das nadadoras, campeãs em seu pais, e o ato heroico de Yusra ao salvar dezoito refugiados náufragos foi sequer considerado. Essas pessoas, aos olhos dos países que as acolhem, são totalmente invisíveis - números que são contados nos acampamentos, somente. Uma crítica, portanto, ao filme seria a ausência de qualquer discussão política e social em relação ao acolhimento de refugiados.
A segunda questão que merece destacar é a capacidade de superação de Yusra. Senti falta de um pouco mais de emoção na segunda parte do filme, dedicada ao esforço da nadadora para recuperar as marcas que já havia conseguido como campeã em seu país. Os conflitos internos de caráter mais emocional e psicológico, que certamente estavam envolvidos nessa superação, aparecem de forma muito superficial e poderiam ter sido mais explorados. Creio que, principalmente para a audiência de jovens competidores esportivos, acrescentaria muito se o filme entrasse mais fundo na questão.
Finalmente, no tema da cumplicidade entre as irmãs, a forma como foi sendo construída sua relação ao longo da infância, e como isso foi fundamental durante a fuga, emociona e é capaz de transmitir a importância do apoio emocional como sustentáculo psicológico do sucesso de Yusra.
|No mais, o filme, apesar de ter um ritmo um pouco lento, prende a atenção e vale a pena assistir.
A escritora toca num dos pontos mais sensíveis ou melhor insensíveis do cenário contemporâneo. Os refugiados, cujo número continua aumentando no mundo, produto das guerras, com maioria delas estimuladas pelo grande negócio de vender armas. Apenas um exemplo atual, a principal providencia dos países ocidentais para apoiar a Ucrania e colocar mais e mais armamentos. Assim nunca haverá paz e sim maior quantidade de refugiados ucranianos. Um grande ponto Ana Helena Reis. GP