Eu perdi o meu medo, o meu medo da chuva Pois a chuva voltando prá terra traz coisas do ar. Apendi o segredo, o segredo da vida Vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar...
Raul Seixas
Nesses dias chuvosos de janeiro em São Paulo comecei a pensar em quantas vezes tenho aberto o meu guarda-chuva. Me dei conta de que ele vive fechado, mas saber de sua presença me conforta. É um aliado que me acompanha seja em dias claros e de céu límpido, seja naqueles cinzentos de tempestade ali quieto, fechadinho.
Há anos ele habita o meu porta-luvas. Nunca acho que é o momento de abri-lo. É daqueles que encolhem e esticam automaticamente, feito de um tecido UV que faz com que possa ser usado tanto para proteger da chuva como do sol; enfim, um exemplar da mais alta estirpe, digno de sua linhagem.
Isso porque apesar da sua origem ser incerta, o guarda-chuva é uma invenção muito antiga, tem toda uma história. Sabe-se que no século XII a.C. já era usado pelos chineses e de lá para cá passou por algumas mudanças tanto estéticas como de utilidade.
A partir do momento em que os Jesuítas introduziram a seda no fabrico dos guarda-chuvas, tudo mudou. Foi nos finais do século XVII, em Paris, que se começou a refinar o conceito deste acessório. O formato foi melhorado e criou-se a distinção entre guarda-chuva e guarda-sol.
Esta nova utilização deu origem às sombrinhas enfeitadas com bordados em seda, de ar muito leve e que serviam para dar algum recato aos rostos femininos durante os passeios ao sol. Essa associação gerou muita dificuldade para que o público masculino adotasse o guarda-chuva como uma peça masculina. Jonas Hanway foi o primeiro londrino a andar diariamente com um guarda-chuva, que utilizava para se proteger do sol e da chuva, o que lhe causou bastante constrangimento, considerando o conservadorismo da época.
Daí até agora ele se transformou em um objeto de grande simplicidade e utilidade tanto para homens como para mulheres.
Buscando ainda entender o que me leva a manter o meu guarda-chuva sempre fechado, fui buscar um pouco mais de informação e encontrei algo muito significativo. Lá nos primórdios, ele foi visto como um objeto com significado sagrado, a ponto de só ser utilizado para cobrir as divindades e a realeza em procissões e eventos de grande significado espiritual. Nas cerimónias litúrgicas cristãs, por exemplo, existiam sempre dois guarda-chuvas que seguiam à frente do Papa. Um deles ia aberto, simbolizando o poder temporal e o outro, sempre fechado, representando o poder espiritual.
Aí entendi que, como Raul Seixas cantou, deixo meu guarda-chuva fechado porque perdi o meu medo, o meu medo da chuva...
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