Nunca tinha me atentado para a existência desse termo. Com a morte prematura de Marília Mendonça, a palavra ganhou espaço na mídia, e me levou a pensar um pouco no sentido de se cantar a Sofrência, e no quanto esse canto ecoou no coração de uma multidão.
Procurando pela origem da palavra, verifiquei que é um neologismo da língua portuguesa, formado a partir da junção das palavras "sofrimento" e "carência", sentimentos associados a falta de alguém, normalmente em uma relação amorosa.
Acredito, porém, que a Sofrência vai mais além, é o sofrimento que outros tipos de vazio, de ausência e de perda também podem causar.
Depois de mais de dois anos enfrentando as restrições impostas pela Pandemia, ficou mais fácil identificar ausências que nos angustiam. Me surpreendi com a quantidade de perdas que tivemos, e acabei listando algumas delas.
Sofrência por distanciamento dos amigos. Algumas pessoas conservaram o contato com um círculo pequeno, outras, mas rigorosas, cortaram qualquer contato com amigos. Encontros virtuais, que no início tinham até uma certa graça pelo inusitado, com o tempo e a repetição se tornaram abomináveis. De amigos íntimos, o encontro virtual nos transformou em conhecidos - aqueles com quem a conversa não desenvolve. Fica reduzida a algumas perguntas gerais, do tipo: “Como vão todos? O que há de novo?” E, se vai em frente, é para relembrar algo do passado em comum. É uma Sofrência nostálgica, uma percepção de que, pelo hiato de contato a que foi imposta, a amizade nunca mais será a mesma.
Sofrência por perda do prazer gastronômico. E, aqui, não me refiro à perda do paladar como uma das sequelas de quem contraiu o Corona vírus, e sim às consequências trazidas pela limitação de frequência a restaurantes e bares, inicialmente total e depois parcial, com restrições. A substituição pelo delivery banalizou totalmente o momento da refeição o que diminui radicalmente o prazer envolvido. Mesmo que o pedido fosse o mesmo que costumávamos fazer presencialmente no restaurante, a perda do ritual que envolvia uma refeição fora de casa impactou até no sabor do prato. Ele ficou insosso, sem graça, o momento em si perdeu o brilho. Porque o prazer de comer é algo que envolve não somente o estímulo dado pelas nossas papilas, mas todo um significado emocional e social que se perdeu.
Sofrência por falta de utilidade para tudo aquilo que acumulamos. Restritos ao trabalho home office, sem vida social fora de casa, noventa por cento do que possuímos passou dois anos guardado, sem utilidade. Nisso incluo roupas sociais e sapatos - acabamos utilizando somente algo confortável para ficar em casa; carteiras e cartões de visita – a maioria das compras passaram a ser online; malas de bordo – viagens de avião foram praticamente cortadas; aquelas louças e cristais para receber mais de vinte pessoas para um almoço de domingo – reuniões passaram a ser de seis a oito pessoas no máximo. E poderia listar muitas outras coisas que entraram em desuso. Aí a Sofrência não é pela perda, mas pela inutilidade; e nos perguntamos: “Fez sentido acumular todas essas coisas? Em que momento perdemos a noção de menos é mais?”
Carência, perdas, faltas...poderia citar muitas outras. Mas ao refletir sobre elas, me deparei com a mais grave das Sofrências – perceber que se tudo nos faz falta, é porque o que nos faz falta está dentro de nós.
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