Vingança em Mil Peças
- Ana Helena Reis
- 10 de jun.
- 2 min de leitura

Não sei se acontece com vocês, mas entre minhas manias inofensivas — e ligeiramente esquisitas — montar quebra-cabeças ocupa um lugar de destaque. Isso quando não estou tricotando ou fazendo crochê, atividades que, aliás, também conquistaram gente como Madonna e Brad Pitt. Então, por favor, vamos parar de associá-las exclusivamente às vovós de casaquinho e cabelo lilás.
Mas voltemos ao quebra-cabeça. Antigamente, eu era da turma raiz: peças de papelão, milhares delas, espalhadas por uma mesa que deixava de cumprir sua função básica — qualquer coisa que não fosse sustentar uma imagem semi-formada do Coliseu ou um campo de lavanda francês. E assim seguia por semanas, às vezes meses. Um transtorno com pretensões de passatempo.
Foi então que, em meio a uma dessas modernidades que a gente resiste até se apaixonar, descobri os quebra-cabeças digitais. Pronto. Adeus, bagunça física; olá, vício tecnológico. Agora qualquer intervalo serve para encaixar umas pecinhas. Desenvolvi até táticas elaboradíssimas, quase militares, para montar as imagens com eficiência. Sun Tzu perderia feio pra mim no modo 1.000 peças.
E foi assim, em uma dessas sessões intensas de montagem virtual, que percebi uma alegria curiosa: o prazer do predador que encurrala a presa. O deleite silencioso de saber, enfim, exatamente onde cada uma daquelas pecinhas traiçoeiras vai se encaixar. Aquelas mesmas que me humilharam por horas, fingindo que pertenciam a qualquer lugar — menos ao correto.
Mas agora, não têm mais escapatória. Eu as conheço. Eu as domino. E o que faço? Saboreio. Encaixo uma... espero... encaixo outra... suspiro. É uma espécie de vingança fria, servida em pixels. Um sadismo leve, quase terapêutico.
Parece estranho? Talvez. Mas é inofensivo. Melhor descarregar isso em peças de quebra-cabeça do que na fila do supermercado, não é mesmo?
Adorei!