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Arear as panelas

  • Foto do escritor: Ana Helena Reis
    Ana Helena Reis
  • 18 de jun.
  • 1 min de leitura

 

Tenho na lembrança uma função doméstica sempre presente na casa de minha mãe: o dia de arear as panelas.


O esfrega-esfrega da palha de aço com sapólio ia soltando as crostas formadas pelos alimentos preparados ali, sedimentadas nos cantos, nas beiradas, no fundo de cada panela.


Sabores de uma vida que se desenrolava, impregnados nas marcas do alumínio.


Cozido de emoções apuradas em fogo brando ao longo dos anos; embates fervilhantes nas frigideiras a estalar; a doçura necessária para baixar os ânimos até o ponto de fio.


Caldo de um tempo que passou — e que segue, mas agora pede outro espaço nas panelas.


Tempo de uma nouvelle cuisine: sentir o frescor, a leveza, a delicadeza de um novo cardápio. É chegado o momento de arearmos nossas panelas.


Desgrudar do fundo o que, um dia, teve sabor, consistência, cor — mas que hoje deixou apenas resíduos opacos, prontos a roubar o brilho.


É hora de lustrar nosso caldeirão para acolher as cozeduras que a vida ainda nos reserva.

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