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Arte da imperfeição

  • Foto do escritor: Ana Helena Reis
    Ana Helena Reis
  • 23 de ago. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 22 de ago.


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Perfeito vem do latim perfectus, que na tradição greco-latina significa acabar, terminar, completar sem faltar nada. Nós, que crescemos sob esse olhar ocidental e dicotômico, fomos treinados a buscar a perfeição em tudo o que nos cerca.


Cultuamos o prazer imediato, o maior, o melhor, o completo. Prazeres intensos, oportunidades únicas, conquistas impecáveis. Nesse modus vivendi, não há espaço para o quase, para o em parte, para o imperfeito.


Esticamos a régua para um superlativo quase sempre inatingível. Quando tropeçamos, preferimos muitas vezes mudar de caminho a diminuir as expectativas — como se aceitar o incompleto fosse fracassar.

Nas relações, a mesma rigidez: não sabemos lidar com os defeitos alheios, nem com nossas próprias fragilidades. Um arranhão, uma dissonância, e já nos afastamos.


No cotidiano, o reflexo é claro: a xícara trincada vai direto ao lixo, a camisa que perdeu um botão é esquecida no armário, a amizade abalada por um desentendimento fica para trás. Descartamos o que não corresponde ao ideal.


Para não encarar a frustração do “não perfeito”, adotamos a saída mais fácil: abandonar os cacos. Mas quem consegue olhar para eles como possibilidade de reconstrução encontra algo precioso. Fragmentos podem se unir em novos formatos, revelar novas forças, reinventar uma beleza que antes não existia.


É aí que surge a arte da imperfeição — um aprendizado que o Oriente já cultiva há séculos e que o Japão batizou de Kintsugi. Essa tradição milenar consiste em reparar objetos quebrados com ouro, não para esconder suas fissuras, mas para realçá-las.


O resultado é uma obra de arte. Não apesar das cicatrizes, mas por causa delas.A beleza da imperfeição. Nas coisas. Nas pessoas. Nas relações. Na própria vida.Para quem aprendeu a carregar, dentro de si, esse ouro invisível.

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