O Português é uma língua bem difícil mesmo. Uma pequena troca de letras, por exemplo, muda completamente a palavra e, muitas vezes de forma perigosa, o sentido que se queria dar a uma frase ou comentário.
É o caso daquele parlamentar que, ao discursar, se refere à vergonha que sente na cara, pelo montante vultuoso (e não vultoso) que tem ganho nos últimos anos. Essa declaração, por si só, já seria uma piada se o nobre congressista tivesse empregado o termo correto. Imaginem, então, a plateia tentando identificar em seu rosto o volume inchado e vermelho que ganhou nos últimos tempos.
Foi um erro ortográfico como esses que complicou a vida do Francis. Era um rapaz de bonitos olhos azuis e cabelo encaracolado, falante e sedutor. Estudante ainda, arranjou um emprego meio período como auxiliar de escritório em uma imobiliária. O dia a dia preso a uma mesa, relegado a desempenhar tarefas rotineiras, porém, estava corroendo seu ânimo juvenil – almejava um trabalho mais glamouroso, mais aventureiro e nada convencional.
Procura daqui, procura dali, viu um anúncio de vaga em uma agência de modelos para o cargo de olheiro. Como um Pernalonga, seus olhos quase saltaram da órbita, e o coração pulsou na garganta. “É a minha chance! Agora ou nunca!”
Na entrevista lhe explicaram qual seria o trabalho: primeiramente estudar com atenção o briefing sobre quais perfis a agência estava procurando. Depois, visitar os lugares em que essas pessoas poderiam ser encontradas e abordadas. Isso incluía shoppings, eventos, parques, calçadões e assim por diante. Francis, que na verdade se chamava Anselmo Francisco, quase não escutou a continuidade do discurso sobre suas atribuições; o pensamento voava para cenas dele abordando lindas garotas e passeando pelos lugares que sempre sonhou frequentar. Daí para se imaginar progredindo na agência e chegando a empresário de modelo foi um pulo.
Dias depois recebeu a resposta: tinha sido aceito para fazer um teste. Se tivesse bom desempenho, o emprego seria dele. Depois de um breve treinamento, lá se foi fazer seu primeiro ensaio como olheiro. Prancheta na mão, cartão da agência no bolso, se dirigiu a um Shopping. O briefing do dia era: crianças na faixa dos sete a dez anos, de olhar esperto, sorriso maroto e desinibidas. Deveria voltar com pelo menos um contato bem sucedido.
Depois de algumas voltas, decidiu que o melhor lugar para encontrar seus candidatos seria o Playland. Bingo! Local repleto de crianças, acompanhadas das respectivas mães. Logo identificou seu alvo: dois garotos dentro do perfil, que se engalfinhavam no Jump Around. Mas qual seria a melhor estratégia de abordagem? Raciocinou rapidamente: “Para conquistar essa dupla, só se me enturmar com eles.” Apesar de já estar na faixa dos 17 anos, passava muito bem por um garotinho, portanto não haveria problema se entrasse no brinquedo; e foi o que fez. Habilidoso, logo se aproximou da dupla, propondo algumas manobras radicais, de forma a criar intimidade para poder fazer a proposta.
O tempo foi passando e Francis se empolgou com esse momento infantil, esquecendo-se de que tinha que conquistar as crianças, mas o importante era convencer a mãe. E foi esse o seu erro. Subitamente, a mãe dos garotos deu o toque de recolher, e saiu apressadamente, não lhe dando nem chance de se apresentar e fazer o convite, como era sua tarefa.
Desolado, Francis voltou à agência, preparando, durante o caminho, uma explicação para o que aconteceu. Pensou bastante na linguagem que usaria e, assim que foi chamado, soltou o verbo:
— Chefe, o que aconteceu foi o seguinte: encontrei os garotos perfeitos para o elenco. Abordei os dois e fui muito bem recebido, tanto que passei a tarde com eles no Jump Around.
— E então Francis, conversou com a mãe, convenceu-a de trazer as crianças para um teste na agência?
— Pois é... na hora que eu ia falar com ela, todos correram apressados e me deixaram sozinho no brinquedo. Mas queria que levasse em conta que isso é ócio do oficio, não é chefe?
— Ócio do ofício? Rapaz, acha que te chamamos para brincar no Playground? Reprovado no teste!
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