Tomei um longo gole de café, mudei de seleção musical, e procurei uma melhor posição na cadeira do escritório. Voltei a olhar para a tela em branco de meu notebook. O relógio no canto direito fazia questão de mudar a cada minuto, acelerando minha angústia.
Senti a cabeça vazada, como a dos bonecos de plástico injetável que tive na infância. Era como se, por uma fresta, todo meu conteúdo emocional e intelectual tivesse escapulido. Nenhuma referência, pensamento ou inspiração restara. E os ponteiros caminhando, acusadores.
Nunca tinha experimentado essa treva de ideias, como se, de repente, meu circuito criativo tivesse entrado em pane. Precisava entregar o texto para a redação do jornal até o final do dia, e a tela continuava desabitada, refletindo minha fisionomia perplexa diante da dificuldade em achar palavras para povoá-la.
Senti os músculos da testa enrijecerem e um lampejo de esperança de que, por espasmo, o texto começasse a fluir. Mas nada.
Quisera eu, nesse momento, sentir a dor de parto de um texto, como aquela mãe que, extenuada, se encanta ao ver a criatura que gerou. Quisera sentir o prazer reconfortante que invade o corpo e a alma depois de expelir mais um texto. Assim como a intensidade da dor de parto talvez repercuta na exuberância do prazer pós expulsão do feto, conceber esse texto poderia ser glorioso, depois desse longo e sofrido período de gestação.
Mas não senti nada - nem dor nem prazer, como se meu ventre literário estivesse infecundo, estéril. Continuava ali na minha mesa de trabalho, sem uma linha sequer de texto produzido. E os ponteiros caminhando, acusadores.
Decidi revisitar os escritos de meus autores preferidos à procura dos recursos que usavam para despertar inspirações. Me deparei com essa estrofe de Fernando Pessoa.
O poeta é um fingidor/ finge tão completamente /
que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente
Ri discretamente, como criança pega no flagra comendo um doce antes do almoço. Comecei a digitar a esmo, liberta, sem nem fingir que sabia aonde chegar. E, sem querer, pari o meu melhor texto.
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