O que me inquieta? A minha própria inquietude em relação à vida. Sinto como se tivesse vivido em constante ebulição. Gêiseres que explodem em fúria para depois arrefecer, acalmar, se recolher à espera do próximo ciclo. Quando tudo começou? Cedo, muito cedo, na minha primavera. Vento fresco soprando aos ouvidos – um grande universo a explorar. Em busca de aventuras, montada numa bicicleta muito maior do que as pequenas pernas conseguiam dominar. Orgulhosa de minha estratégia para incliná-la de lado para subir e num salto sair pedalando, a testar limites. Sopro de liberdade e criatividade que me faziam imaginar um futuro em que tudo era possível. Será que ansiava por essa passagem? Na minha lembrança, não. Mas ela foi chegando, sorrateira. Me encontrou desarmada. Atônita frente às transformações biológicas. Quem passou a habitar meu corpo? A explosão da adolescência foi devastadora. Brotaram em mim emoções desencontradas. Deixei fluir amores, rancores, pesares e rebeldias, de forma intensa e excessiva. Sonhos de infância se transformavam em projetos mirabolantes. Chuvas de verão desaguando aos turbilhões sobre a família, estupefata – o que deu nessa menina? Incompreensão, rejeição, estranhamento. Quem era? Quem queria ser? Carreguei as repostas para dentro de minh’alma. Para aquém da compreensão, para além daquele tempo. Roda mundo, roda pião. Me fiz mulher, amante, mãe, pesquisadora, professora, musicista, astróloga, praticante de yoga, ativista política, viajante pelo mundo. Bicicleta transformada em mobilete azul turquesa a cruzar a cidade, sem medo de ser feliz. Verão longo, quente, intenso, inquieto, frutífero. O que levei dessa enxurrada? Nostalgia de mim, maturidade adentro. Desfolhei os excessos, me protegi nas sombras de um outono de luz tênue. Saboreei os frutos que cultivei. Revisitei projetos que empreendi. Senti o doce e o amargo da existência de quem dirige na contramão. Arquei com consequências até onde os ombros puderam aguentar. Tentei me preparar para o porvir. E agora? Meu inverno chegou, lentamente, como quem chega do nada. E se instalou. Silencioso. Irreversível. Me fez passar em revista os atos, os fatos, os lapsos. Respingos de tudo que brotou durante a longa jornada. Saberes, quereres, poderes. Inquieta? Reacendi meu lume, me aprumei. Abandonei tampas, redes, laços. Outra ebulição. Textos, traços, convívios, moradas. Abri estreitos por onde explode o vulcão que me alimenta. Deixo jorrar o gêiser em que me criei. Seu alcance é longo, persistente. É o derradeiro, a última erupção. Mas o magma que aquece a minh’água e o faz brotar não tem dia nem hora para acabar.
Crônica publicada na antologia Meu Lugar no Mundo - 2022 - Editora Santa Sede
Gostei dos textos pela temática e estruturação, mas sobretudo das ilustrações, que pretendo divulgá-la nas minhas redes. Parabéns. Bj
Como estou com a mobilidade comprometida, espero sua visita ao Rio/ Itaipava para conversarmos.
Magma, me identifiquei. Parabéns
Textos maravilhosos, a gente embarca e se encontra em muitos lugares. MAGMA até agora, o meu preferido! Bj querida! Lu
Ficaram ótimas ! Lindos os textos e os desenhos !❤️