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Manteiga ou margarina?

  • Foto do escritor: Ana Helena Reis
    Ana Helena Reis
  • 30 de abr. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 10 de jun.

Sempre tive aversão à manteiga. Desde a infância, aquele tablete meloso e gorduroso, repousando num recipiente de vidro com tampa invariavelmente lambuzada, me causava engulhos. Bastava vê-la escorrendo preguiçosa pelos cantos para que meu estômago desse sinais de alerta.

Para meu desespero, ela ocupava lugar de honra na mesa do café da manhã. Era idolatrada por todos — menos por mim — e espalhada em nacos generosos sobre o pão francês recém-saído da padaria.

— Menina estranha, cochichavam. Quem sabe, se a gente oferecer margarina, ela aceita?

Mas só de ouvir essa hipótese, minha vontade era sair correndo da mesa. Margarina, para mim, era a versão tabajara da minha arqui-inimiga: uma criação de gosto duvidoso saída da mente de algum alquimista pervertido.

O problema é que, fora de casa, eu era frequentemente colocada diante de um dilema: aceitar o pão com manteiga já pronto, por pura cerimônia — ou por fome mesmo — ou parecer mal-educada. Em outras situações, vinham com a pergunta clássica:— Manteiga ou margarina?

E eu pensava: Nenhuma das duas, minha senhora. Cadê essa opção no cardápio?

Mas não. Era preciso escolher. Optava, então, pela manteiga — o “menos pior” — mesmo que a cada mordida eu precisasse conter uma leve ânsia.

Essa encruzilhada gastronômica da infância me fez pensar em quantas vezes, na vida, nos vemos obrigados a escolher entre duas opções indesejáveis. E não falo só de manteiga e margarina.

Pense em situações cotidianas: escolher a mesa externa do restaurante e congelar no frio ou sentar-se dentro, ao lado do piano, e gritar para conversar.Ou no cinema: poltronas na ponta — ótima mobilidade, mas péssima visão — ou no meio da fila, com vista privilegiada, mas prensado entre dois mastigadores de pipoca?

E se o assunto for mais sério? Eleições, por exemplo. Quantas vezes nos vemos diante de candidatos que não empolgam, mas precisam de nosso voto, porque “pior seria o outro”?

Ou diante de causas políticas e conflitos internacionais, em que somos empurrados a tomar partido com base não no que admiramos, mas no que toleramos menos?

A verdade é que muitas de nossas escolhas não se baseiam no que queremos, mas no que conseguimos engolir sem vomitar. E o resultado, muitas vezes, é uma ressaca cívica, econômica ou social que faz até margarina parecer digestiva.

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