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O retratista fiel

  • Foto do escritor: Ana Helena Reis
    Ana Helena Reis
  • 17 de set.
  • 1 min de leitura

Atualizado: 21 de set.


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Folhear álbuns de fotografias antigas — em papel ou digitais — tem me causado um certo estranhamento, uma sensação de que os ambientes, as pessoas, as fisionomias não eram bem assim como estão retratadas.


Na foto do meu aniversário de 15 anos, o vestido que, à época, me fez sentir uma princesa hoje mais parece um tule de cobrir bolo. Difícil acreditar que fui eu mesma quem escolheu aquela roupa, que em nada me valorizava.


Na varanda da casa onde morei com meus filhos pequenos — e que, aos meus olhos, parecia abrigar a família inteira —, a foto mostra um espaço em que mal cabiam quatro cadeiras. E nada tinham a ver com os móveis charmosos de jardim que eu havia comprado.


Meu bolo de aniversário com cobertura de chocolate, que à luz das velas me pareceu brilhante e festivo, aparece seco, simples demais para a importância daquela comemoração.


No começo, pensei que a culpa fosse das fotos: iluminação ruim, ângulo errado, talvez o dia nublado tivesse apagado as cores. Mas, aos poucos, percebi que não eram elas que me traíam — era minha memória, minha lente afetiva, que guardou lembranças muito além dos flagrantes de uma máquina, seja ela qual for.


Minha memória registrou o que foi captado pelos sentidos: o olhar de admiração que me fez feliz naquele vestido, o som das risadas gostosas que ampliaram a varanda, o gosto de chocolate do beijo depois do bolo que iluminou minha boca.


Sabem de uma coisa? Aprendi que é melhor confiar no que ficou registrado em mim: a memória é o mais generoso dos retratistas.

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Membro desconhecido
02 de mar. de 2024

O retratista fiel e de tanta sutileza, sensibilidade e sabedoria que mais uma vez, e vão muitas, tiro o chapéu, bato palmas e expresso minha sincera admiração pelo talento da escritora Ana Helena Reis. G;P.

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