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O triunfo da capa cinza

Aurora se levantou ao ouvir seu nome sendo chamado. Hora de receber o diploma, conquistado com muita garra e grande sucesso – afinal, tinha sido uma das melhores alunas da graduação na faculdade de direito e já estava com lugar garantido no mestrado. Assim que atravessou a fileira de cadeiras em direção ao palco, sentiu a toga se movimentar, num voleio que a levou imediatamente de volta à infância.

***

Tinha amanhecido frio e Aurora saltou da cama emburrada. Era hora de tirar o pijama quentinho e colocar o uniforme da escola. Foi vestindo a saia cinza pregueada e a malha de lã, enquanto tentava desviar o olhar da irmã, para não ter que encarar aquela capa cinza que ela iria colocar.


A capa ia praticamente até os pés e tinha só um botão embaixo do pescoço e duas aberturas para colocar as mãos. Quando ela andava, a capa se movimentava, parecendo roupa de princesa.

Aurora olhava para sua malha de lã, tentando encontrar algum encanto nela. Afinal, tinha sido tricotada com carinho pela avó e até que era bem quentinha, mas ... deixava passar o vento frio e era somente um pulôver.


A irmã seguia para o colégio no banco da frente com o pai. Os livros impecavelmente colocados na mala, as lições em dia, o cabelo penteado e a capa envolvendo toda a sua perfeição. Nem se mexia, não olhava para trás, não conversava – entrincheirada em seu castelo.

Aurora, atrás, com as lições feitas na última hora, as meias desenroladas, procurando os elásticos para prender o cabelo. Nem reparavam nela, ali no segundo banco.

Mas se ela tivesse uma capa cinza....


Morria de vontade de pedir uma para a mãe, mas não pedia. Cada vez que tentava iniciar o assunto, seu olhar frio lhe mandava uma mensagem: só há espaço para uma capa cinza nesta casa.

Pensou, então, em esperar que a capa já estivesse muito usada, para que chegasse a hora de passar para ela. Afinal, já tinha recebido aquele estojo de lápis de cor de couro marrom com zíper, que a irmã não usava mais. Quem sabe?

Os invernos se repetiram, a capa foi encurtando e já não cobria mais do que a altura da saia de pregas da irmã. Mas nunca chegou a sua vez.

***

Auditório repleto. Aurora olhou para a plateia e viu a irmã com uma blusinha de tricô, sentada ao lado da mãe. Rodopiou, como criança, sua toga de princesa.

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