Onde está você?
- Ana Helena Reis
- há 3 dias
- 2 min de leitura

Cabelos desalinhados, Débora esfrega os olhos fundos, sonolentos. Busca o roupão na cadeira ao lado da cama e se debruça de novo sobre o travesseiro vazio que repousa ao seu lado. Sente o perfume de lavanda ainda presente na fronha — o que lhe restou.
No silêncio da manhã, seu olhar se detém no fio de luz que atravessa a fresta da janela. Como uma adaga, ele penetra o recôndito dos pensamentos noturnos. Débora se envolve nos lençóis, à procura de um abrigo, algum consolo.
Preciso encontrar a saída. Me perdi outra vez nessa última tentativa. Tantos obstáculos a vencer. Sinto-me incapaz de descobrir um novo caminho sozinha. Onde está você?
Ouço, lá no fundo, sua voz dizendo para seguir em frente. Tento, mas fracasso. Vou me embrenhando cada vez mais nesse poço lamacento. Me canso, desanimo, tento tomar fôlego e recomeçar. Procuro apoio, um chão que me sustente — se é que ainda resta algum chão nessa busca infindável. E me pergunto por que não consigo. Tantos conseguem encontrar a saída. Por que não eu?
Já tentei traçar um mapa dos caminhos que percorri em vão, um guia que me orientasse a descobrir outro rumo. Mas, quando percebo, estou de novo envolvida na neblina das lembranças que sempre me levam ao mesmo lugar. Parece um vício. As mesmas pistas, as mesmas pedras, as mesmas barreiras — tudo se repete, como ondas do mar revolto da saudade em que me afundo cada vez mais.
Sinto-me aprisionada, cativa desse labirinto, condenada a uma busca sem fim. Não consigo te ver, mas ainda escuto baixinho sua voz, insistindo para que eu siga sem olhar para trás. Mas como seguir, se tudo me traz de volta ao ponto de sua partida?
O despertador toca. Débora se levanta, conformada, para enfrentar mais uma reunião do grupo de terapia do luto. Ao abrir a porta de casa, lembra-se de uma estrofe do tema de Lisbela e o Prisioneiro.
Agora, que faço eu da vida sem você? Você não me ensinou a te esquecer.
Mas, desta vez, a canção não soa apenas como um lamento. É quase como se fosse uma companhia silenciosa, uma voz que caminha ao seu lado, lembrando que a saudade também pode ser abrigo.
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