O dia prometia ser quente e úmido. Acabara de entregar o filho à vizinha que o levaria à creche. No pequeno quarto, uma cama que compartilhavam, um banheiro e uma pequena cozinha conjugada. Uma vez sozinho, tratou de tirar, do fundo de um velho armário, seu traje de trabalho.
Vestiu a camisa preta com gravata borboleta. Por cima um colete branco. Calças brancas curtas um pouco bufantes, meias brancas e sapatos de amarrar de couro preto.
No espelho, iniciou a maquiagem. Uma espessa base branca, olhos delineados levemente caídos, sobrancelhas arqueadas. Demarcou a boca sorridente. Finalizou com a lágrima do lado esquerdo. Certificou-se de que estaria totalmente irreconhecível, calçou as luvas brancas, pegou a boina, travou o sorriso e saiu para a rua.
Seu trajeto era sempre o mesmo, seguindo pela ladeira até a entrada do parque municipal, onde tinha certeza de encontrar um bom público para sua performance.
O trabalho era extenuante. Horas a fio em pé numa mesma posição, somente com algumas trocas para aliviar as câimbras. Ao final, arrecadava o suficiente para uma pequena compra de alimentos.
Ali posicionado, observava os transeuntes que se riam de suas mímicas e lhe deixavam alguns trocados. Em cada gesto seu, um pouco do drama escondido por trás do sorriso pintado. As mãos voltadas aos céus chamavam a atenção do público que se ria a mais não poder.
Por trás da figura hilária do palhaço em súplica, o grito de angústia sufocado em seu peito. Nos olhos de cada criança que se divertia com sua fantasia, o consolo do carinho daquele que era seu único motivo para continuar vivo. Na pose de Atlas sustentando o céu em suas costas, a dor lancinante que pulsava em seu peito, pelo peso das frustrações e desenganos da vida. Não pode deixar de pensar: triste esse palhaço, que precisa se maquiar para sorrir.
Absorto em seus pensamentos, teve um sobressalto ao ouvir uma voz familiar. Sem mudar de posição, percebeu, petrificado, a presença do filho com o grupo de crianças da escola, que haviam ganho esse passeio surpresa.
O grupo se aproximou, e os pequenos olhavam encantados para sua figura, sem se dar conta de quem estava por debaixo da maquiagem. Em pânico, sentiu que as lágrimas começaram a escorrer. Isso poderia desmanchar o reboque branco e revelar quem era o palhaço. Tentou bravamente manter o controle e esperar que se fossem, para poder sair correndo.
As crianças riam, felizes em sua inocência. Rodopiavam em torno dele e, em um determinado momento, seu filho parou, olhou atentamente para sua figura e disse: Professora, mas porque o palhaço está chorando? Sabe, meu pai tem um trabalho sério e importante, mas gosta de fazer palhaçadas pra mim lá em casa, e a gente ri muito juntos. Mas ele nunca está chorando...
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