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Balinha maliciosa


Escolheu uma bolsa pequena, que não pesasse muito no ombro, pois o manguito estava dando sinais de vida, e nele jogou a carteira de dinheiro, o celular, um pacotinho de lenços descartáveis e, o mais importante, um tubo de balinhas para refrescar o hálito. Como iria ao dentista, achava de bom-tom chegar com aquela sensação de que acabara de escovar os dentes que essas balinhas proporcionavam.

Tudo pronto, buscou seu guarda-chuva e se olhou no espelho rapidamente para verificar se estava bem apresentada. Decidira chamar um carro de aplicativo, ao invés de ir de transporte coletivo, por conta das chuvas torrenciais que estavam caindo ultimamente. Não queria correr o risco de, mesmo que estivesse com o guarda-chuva, tomar uma chuvarada e pegar uma gripe forte por conta da friagem.

Nunca usara esses aplicativos por receio de colocar o cartão de crédito, mas, como soube recentemente que era possível pagar em dinheiro vivo, resolveu se aventurar. Pediu à sobrinha, sempre tão prestativa com sua dinda, que fizesse o pedido e se dirigiu ao portão para aguardar. Logo apareceu um rapaz com um veículo muito bem conservado e lhe abriu a porta com delicadeza. Um príncipe, ela pensou, lembrando com nostalgia dos tempos em que os homens eram mais cavalheiros do que hoje em dia.

O percurso transcorreu de forma muito agradável. Serena procurou entabular uma conversação com o rapaz, perguntando há quanto tempo estava nessa profissão, se não era muito desgastante, se era casado, a que horas largava a jornada, e, ao mesmo tempo, sentindo que tinha plateia, falou um pouco de si mesma. Contou que era viúva, morava sozinha e era bastante independente, mas sentia falta do companheiro e um pouco de solidão.

O condutor seguia tranquilo o caminho indicado no aplicativo, em que constavam os dados do pedido e do pagamento, verificando que seria em espécie, o que, no caso dessa senhora, certamente não haveria nenhum risco de calote.

Ao se aproximar do endereço do dentista, Serena decidiu que era hora de chupar sua balinha. Muito educada, virou-se para o motorista e, gentilmente, perguntou: Vai um Hall’s? O susto foi tamanho que o motorista deu uma freada.

Ela, entendendo que isso seria um sinal de aceite, achou que deveria dar a ele a liberdade de escolher o sabor: prefere o preto ou o de cereja?

— Minha senhora, mas o que é isso? Na sua idade, não tem vergonha de me fazer esse tipo de proposta? Por favor, me passe logo o valor da corrida e saia do carro, pois não sou homem de me aproveitar de viúvas safadas!


***

Caso o leitor não saiba o que significa esse “Vai um Hall’s” basta recorrer aos universitários, como fiz para escrever essa crônica!


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