Gostava de um caderninho de anotações, e achava importante manter uma agenda de telefones em papel, por não acreditar muito naquele backup na nuvem. Nunca conseguiu estabelecer uma relação de intimidade com ela, uma coisa vaporosa demais para ser confiável.
Senhas, então, nem se fale – todas guardadas em um bilhetinho que mantinha na carteira, para poder lembrar no momento de necessidade – super disfarçadas em datas comemorativas, é claro.
Tentava, isso é verdade, se adaptar às novas tecnologias. Usava um notebook com o básico do Office instalado, tinha um perfil no Facebook para ficar atento aos avisos de aniversário dos amigos, e vários grupos no WhatsApp. Sabia até encaminhar mensagens recebidas de um grupo para outro.
Apesar de sua fragilidade de contato com o mundo digital, era curioso, determinado e disposto a buscar soluções por conta própria para os desafios da modernidade. Devorava os jornais diários para se atualizar, e foi assim que se deparou com uma enxurrada de matérias sobre metaverso, inteligência artificial e o fenômeno intitulado Chat GPT. Correu a buscar o que isso significava e encontrou uma descrição no Wikipedia, o que, se fosse há décadas, seria chamado de “pai dos burros”: Um chatbot online de inteligência artificial desenvolvido pela OpenAI, que combina "Chat", referindo-se à sua funcionalidade de chatbot, e "GPT", que significa Generative Pre-trained Transformer, um tipo de modelo de linguagem grande.
Se sentiu um jurássico tentando decifrar o teorema de Pitágoras, mas decidiu que iria tentar contato com essa tal de entidade artificial que se apresentava como ChatGPT.
E assim o fez. Entrou no site e foi solicitado a criar uma conta, aquele processo que, para quem não é nativo digital, sempre causa uma certa ansiedade. Na hora de digitar a senha do seu e-mail, errou. Consultou o bilhetinho de senhas e tentou novamente. Só não contava como fato de que há tempos não atualizava as trocas que volta e meia os sites pedem para fazer... Negada novamente!
Isso o foi suficiente para que a inteligência artificial entrasse em alerta e solicitasse uma verificação de identidade, uma prova de que estava interagindo com uma pessoa real. Apresentou uma sequência de formas para montar, que ele imaginou ser um artifício maquiavélico para medir o Q.I. de quem não consegue acertar sua própria senha. Em pânico, como se estivesse tentando entrar sem visto num país estrangeiro, o pobre coitado se embaralhou na seleção dos quadradinhos para clicar e... Negado!
Tomou um copo d’água, se acalmou e voltou para a próxima tentativa de provar que era humano. Aos seus olhos míopes e cansados, aquela sequência começou a dançar, os dedos tremularam, e ele foi novamente reprovado. A tela bloqueou e, em letras pretas apareceu a seguinte mensagem:
Identificamos que você é um robô, portanto seu acesso ao ChatGPT está, irrevogavelmente, negado!
Comments